Na compreensão de Siddhartha Gautama, compaixão é o desejo, inerente em nossos corações, de que todos os seres estejam livres de sofrimento. Desse prisma traduzido pelos ensinamentos do Buddha, sempre que nosso olhar encontra outro ser humano, desejamos que encontre todas as causas e condições de felicidade e que esteja livres de todas as causas e condições de infelicidade.
Muitos, porém, se questionam como poderiam estabelecer compaixão na prática. Sob o ponto de vista teórico, diríamos, certamente, que nossa natureza humana já é compassiva, que espontaneamente desejamos que os outros sejam felizes.
No entanto, algumas vezes não conseguimos perceber isso com tanta clareza. Por exemplo, quando essa mesma natureza humana, por seus hábitos adquiridos ao longo da existência, é levada a agir de três modos. Ela tem:
* Apego às experiências que a ela são favoráveis e agradáveis;
* Aversão às experiências que a ela não é agradável nem favorável;
* Indiferença ao desconhecido.
Contudo, a partir de um enquadre na Ética da Compaixão, deveríamos ser capazes de ver a todas situações com equanimidade, aprendermos a olhar, observar, perceber, sentir e reagir a todo e qualquer fenômeno imbuídos verdadeiramente por esse conceito de compaixão, onde todos os seres, independentemente se são meus amigos, inimigos ou desconhecidos, são vistos equanimente como seres que buscam a felicidade e fogem do sofrimento. Uma vez que eu consiga me posicionar de forma equânime, conseguirei praticar essa ética de forma bem clara.
Todavia, na maior parte das vezes, de uma forma ou de outra, tendemos a valer nossos movimentos de palavras, pensamentos e ações com preferência ou parcialidade, que, muitas vezes, tornam a imparcialidade uma tarefa difícil. Nesse contexto, a prática da compaixão seria a ética da imparcialidade em todo e qualquer movimento que surja para nós. Quando tratamos de compaixão, que é o grande enfoque da Filosofia Buddhista, nós desenvolvemos um treinamento para observarmos as coisas, os outros seres, com equanimidade.
É importante observar que a essa natureza humana é inerente o estado de felicidade. Por outro lado, a busca dessa felicidade, muitas vezes, tem como resultado o sofrimento e a dor ou a infelicidade. Diante disso, precisamos compreender as motivações que nos conduzem em nossas buscas. Quando analisamos a motivação, encontramos uma ética. Mesmo assim, eu posso ter uma motivação verdadeira, mas não uma intenção muito verdadeira. Posso ter uma intenção verdadeira, mas uma motivação não tão verdadeira. Ou posso ter as duas não verdadeiras. Ou posso ter as duas verdadeiras.
Nesse campo é hora de observamos se, de fato, aquilo que busco tem uma motivação verdadeira, ou em uma linguagem mais sensível, uma motivação pura. A ética está relacionada diretamente a isso. Eu posso ser um supervisor numa fábrica e galgar o cargo de gerente, posso chegar nesse cargo de gerente demonstrando qualidades no meu trabalho ou posso chegar nesse cargo de gerente apontando as deficiências dos outros. Motivação e intenção caminham juntas. Mas, em qualquer dessas situações, se aprendermos que compaixão significa olhar o outro e desejar que esse outro tenha a mesma felicidade, alcance a mesma felicidade que você também está buscando, nesse momento desenvolvemos um sentido de equanimidade. Em outras palavras, todos nós somos absolutamente iguais, todos nós, dentro do contexto das nossas vidas, seja da vida profissional numa fábrica, da vida estudantil, da vida acadêmica, seja qual for, qualquer ação, qualquer situação, você sempre vai olhar os outros em estado de equanimidade. Todos nós vamos buscar condições melhores, que possam nos trazer uma sensação mais duradoura de felicidade e de bem-estar, porém, nunca permanente, porquanto nada na vida é permanente.
Ao desenvolvermos uma visão clara de equanimidade, teremos uma clareza ainda maior de nossas capacidades cognitivas e de realização, podendo, assim, alcançar o referido cargo de gerente sem que, no entanto, seja necessário desrespeitar a dignidade do outro. Talvez, na sociedade em que estamos inseridos, muitos são os exemplos daqueles que alcançam o sucesso desprovidos deste princípio de ética e de equanimidade.
Em resumo, a compaixão é a sua capacidade de visualizar o outro como você, de compreender o outro com os mesmos direitos de felicidade e de promoção, acima de tudo, da felicidade do outro. O grande filósofo indiano Shantideva é enfático ao dizer que a felicidade verdadeira que nós podemos experienciar e cultivar em nós reside na nossa capacidade de promover a felicidade ao outro e a verdadeira infelicidade que nós podemos experimentar é quando visamos somente a nossa própria felicidade. Então, compreendemos, nessas quatro linhas, o que é ética e o que é não ética. Ou seja, poderíamos dizer que ética é a expressão de nossas palavras, pensamentos e ações cujo resultado é a nossa felicidade como conseqüência da felicidade dos outros e a não-ética é quando a nossa felicidade resulta da infelicidade do outro ou da nossa própria e única felicidade.
Por fim, é importante lembrarmos que o ser humano é inerentemente compassivo, amoroso, paciente, tolerante, generoso e com uma grande capacidade de trabalho progressivo e criativo. Somos seres de criação e de realização. Essas seis qualidades fazem parte da nossa natureza e quando as nossas ações no dia-a-dia estiverem próximas dessas seis virtudes, dessas seis qualidades, estaremos praticando uma ética compassiva.
Quando Siddhartha Gautama observou o sofrimento humano, ele procurou compreender as causas da infelicidade, e essa causa reside nesse afastamento da nossa natureza, daquilo que nos é mais inerente, que é ser amor. Quanto mais próximos ficarmos da natureza humana, mais chances teremos de experienciarmos felicidade, regozijo e crescimento.
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